“Filhotes” mumificados de 14 mil anos não eram cães, mostra nova pesquisa

Dois “filhotes” da Era do Gelo bem preservados encontrados no norte da Sibéria podem não ser cães, de acordo com nova pesquisa. Ainda cobertos de pelo e naturalmente preservados no gelo por milhares de anos, os “Filhotes de Tumat”, como são conhecidos, contêm vestígios de sua última refeição em seus estômagos, incluindo carne de rinoceronte lanoso e penas de uma pequena ave chamada alvéola.

Anteriormente considerados cães domesticados primitivos ou lobos domesticados que viviam próximos a humanos, os restos dos animais foram encontrados perto de ossos de mamute lanoso que tinham sido queimados e cortados por humanos, sugerindo que os canídeos viviam próximos a um local onde humanos abatiam mamutes.

Ao analisar dados genéticos do conteúdo estomacal e assinaturas químicas nos ossos, dentes e tecidos moles, pesquisadores agora acreditam que os animais eram filhotes de lobo de dois meses de idade que não mostram evidências de interação com pessoas, de acordo com descobertas publicadas na quinta-feira (12) na revista Quaternary Research.

Nenhum dos filhotes de lobo mumificados apresenta sinais de terem sido atacados ou feridos, indicando que morreram subitamente quando sua toca subterrânea desabou e os prendeu dentro há mais de 14 mil anos. O desabamento da toca pode ter sido provocado por um deslizamento de terra, segundo o estudo.

A riqueza de dados dos restos mortais está lançando luz sobre o cotidiano dos animais da Era do Gelo, incluindo seus hábitos alimentares, que são similares aos dos lobos modernos.

“Foi incrível encontrar duas irmãs desta era tão bem preservadas, mas ainda mais incrível que agora possamos contar tanto de sua história, até a última refeição que comeram”, escreveu a autora principal do estudo Anne Kathrine Wiborg Runge, ex-doutoranda da Universidade de York e da Universidade de Copenhague, em um comunicado.

“Embora muitos fiquem desapontados que estes animais são quase certamente lobos e não cães domesticados primitivos, eles nos ajudaram a entender melhor o ambiente da época, como esses animais viviam, e como os lobos de mais de 14 mil anos atrás são notavelmente semelhantes aos lobos atuais.”

A multiplicidade de pesquisas sobre estes filhotes e outros espécimes também ilustra como é difícil provar quando os cães, amplamente considerados o primeiro animal domesticado, se tornaram parte da sociedade humana.

Presos no permafrost em degelo, os Filhotes de Tumat foram descobertos separadamente no sítio Syalakh, a cerca de 40 quilômetros da vila mais próxima de Tumat — um em 2011 e outro em 2015. Eles têm aproximadamente entre 14.046 e 14.965 anos.

Pelos, pele, garras e todo o conteúdo estomacal podem sobreviver por eras nas condições adequadas, disse o coautor do estudo Dr. Nathan Wales, professor sênior de arqueologia na Universidade de York na Inglaterra.

“A coisa mais surpreendente para mim é que os arqueólogos conseguiram descobrir o segundo Filhote de Tumat vários anos após o primeiro ter sido encontrado”, disse Runge à CNN. “É muito raro encontrar dois espécimes tão bem preservados e então descobrir que são irmãos/da mesma ninhada. É extraordinário.”

Como os lobos modernos, os filhotes comiam tanto carne quanto plantas. Embora um rinoceronte lanoso fosse uma presa bastante grande para lobos caçarem, o pedaço de pele de rinoceronte lanoso no estômago de um dos filhotes é prova da dieta dos canídeos. A pele do rinoceronte, com pelo loiro, estava apenas parcialmente digerida, sugerindo que os filhotes estavam descansando em sua toca e morreram logo após sua última refeição, disse Runge.

A cor do pelo do rinoceronte lanoso é consistente com a de um bezerro, baseado em pesquisas anteriores de um espécime juvenil de rinoceronte lanoso encontrado no permafrost. Rinocerontes lanosos adultos provavelmente tinham pelo mais escuro. O bando de lobos adultos caçou o bezerro e o trouxe de volta à toca para alimentar os filhotes, segundo os autores do estudo.

“A caça de um animal tão grande quanto um rinoceronte lanoso, mesmo que filhote, sugere que estes lobos são talvez maiores que os lobos que vemos hoje”, escreveu Wales em um comunicado.

Os pesquisadores também analisaram pequenos restos de plantas fossilizados nos estômagos dos filhotes, revelando que os lobos viviam em um ambiente seco e relativamente ameno que podia sustentar vegetação diversificada, incluindo gramíneas de pradaria, salgueiros e folhas de arbustos.

Além de comerem alimentos sólidos, os filhotes provavelmente ainda mamavam leite de sua mãe, segundo os pesquisadores.

O que os cientistas não encontraram foi evidência de que mamutes faziam parte da dieta dos filhotes, significando que era improvável que humanos no local estivessem alimentando os canídeos.

Seria possível que pessoas compartilharam carne de rinoceronte lanoso com os filhotes? Essa é uma hipótese que Wales considerou, mas agora ele acredita que as evidências apontam para outra direção.

“Sabemos que lobos modernos caçam presas grandes como alces, cervos e bois almiscarados, e qualquer pessoa que assiste a documentários sobre animais sabe que lobos tendem a escolher indivíduos juvenis ou mais fracos durante a caça”, escreveu Wales em um e-mail. “Tendo a interpretar que os Filhotes de Tumat foram alimentados com parte de um rinoceronte lanoso juvenil (por lobos adultos)”.

A origem da carne do rinoceronte lanoso é impossível de determinar — a matilha poderia ter caçado o filhote, encontrado a carcaça ou até mesmo achado em um local de abate —, mas dada a idade dos filhotes e o fato de que a toca desabou sobre eles, parece menos provável que humanos os tenham alimentado diretamente, explicou Runge.

O fato de que os filhotes estavam sendo criados em uma toca e alimentados por sua matilha, de forma semelhante a como os lobos procriam e criam seus filhotes hoje, sugere ainda mais que os Filhotes de Tumat eram lobos e não cães, afirmou Wales.

Traçar um panorama mais amplo dos lobos da Era do Gelo é difícil porque não foram encontradas fontes escritas ou arte rupestre retratando-os, então não está claro como as matilhas de lobos e os humanos antigos teriam interagido, disse Runge.

“Precisamos tentar considerar nossos próprios preconceitos e noções preconcebidas baseadas nas interações entre humanos e lobos hoje”, ela escreveu. “E então precisamos aceitar que nunca seremos capazes de responder algumas das questões”.

Pesquisadores ainda tentam entender como os cães domesticados se tornaram companheiros dos humanos. Uma hipótese é que os lobos viviam próximos aos humanos e se alimentavam de suas sobras. Mas o processo de domesticação levaria gerações e exigiria que os humanos tolerassem esse comportamento. Outra hipótese é que os humanos capturavam e criavam ativamente lobos, fazendo com que alguns deles se isolassem das populações selvagens, resultando nos primeiros cães.

Testes de DNA anteriores nos filhotes sugeriram que eles poderiam ter vindo de uma população de lobos agora extinta que acabou morrendo — e uma população que não atuou como uma ponte genética para os cães modernos.

“Quando falamos sobre as origens dos cães, estamos falando sobre o primeiro animal domesticado”, disse Wales. “E por essa razão, os cientistas precisam ter evidências realmente sólidas para fazer afirmações sobre os primeiros cães”.

Todas as evidências que os autores do novo estudo encontraram eram compatíveis com lobos vivendo por conta própria, disse Wales.

“Hoje, as ninhadas são frequentemente maiores que dois, e é possível que os Filhotes de Tumat tivessem irmãos que escaparam do (mesmo) destino”, disse ele. “Pode haver também mais filhotes escondidos no permafrost ou perdidos pela erosão”.

Identificar onde e quando os cães foram domesticados ainda é uma espécie de santo graal na arqueologia, biologia evolutiva e pesquisa de DNA antigo, disse Dr. Linus Girdland-Flink, professor de arqueologia biomolecular na Universidade de Aberdeen, na Escócia. Embora a pesquisa de Girdland-Flink seja sobre lobos e cães antigos, ele não esteve envolvido no novo estudo.

Mas determinar se restos antigos como os Filhotes de Tumat são cães domésticos primitivos, lobos selvagens, carniceiros ou indivíduos domesticados não é simples devido ao registro arqueológico fragmentado, disse ele. Nenhuma evidência isolada pode levar a uma resposta definitiva. E é ainda mais difícil fazer uma comparação envolvendo filhotes porque as características adultas ajudam a distinguir entre lobos selvagens e cães domesticados.

“Em vez disso, precisamos reunir diferentes linhas de evidências indiretas — arqueológicas, morfológicas, genéticas, ecológicas — e pensar sobre como todas elas se encaixam”, escreveu Girdland-Flink em um e-mail. “Então, realmente aprecio esta nova reanálise multidisciplinar dos filhotes de Tumat”.

Girdland-Flink não ficou surpreso que os filhotes não estivessem associados ao local de abate de mamute — uma ausência de evidência que importa. E combinado com a falta de fortes laços genéticos com cães domésticos, ele concordou que os filhotes devem ter vindo de uma população de lobos que não vivia com humanos.

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